E quando a pessoa abusiva é sua amiga?

melspiracy
4 min readAug 27, 2021

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Sinto que todas nós já colecionamos amizades que nos feriram, que despertaram sentimentos confusos, de vergonha, medo, culpa, de sua vontade não parecer ser levada em conta. E o que queremos questionar e refletir é: a amizade tóxica entre mulheres é mais uma resultante do patriarcado? Onde a rivalidade feminina tem seu papel? E existe amizade tóxica entre homens?

O conceito de abuso nos é bem conhecido, sendo constantemente debatido e estudado dentro do feminismo. E de fato os abusos que tanto analisamos dentro de relacionamentos amorosos podem sim ser encontrados dentro de relação de amizade. Afinal, estamos falando de abuso e eles costumam se manifestar da mesma forma, mas definitivamente não estamos falando da mesma causa.

Quando debatemos sobre relacionamentos abusivos, estamos falando de décadas e décadas de pesquisa sobre violência doméstica, que tem impacto na saúde pública e é um problema social de grande escala, passível de se apontar constantes precisas, como as consequências psicológicas e físicas comuns em mulheres vítimas. Enquanto amizades tóxicas ainda é um debate em ascensão.

É possível traçar similaridade nos sentimentos consequentes do abuso em ambas dinâmicas? Sim.

Mas, como dito, a causa é diferente. Nas “amizades tóxicas’ ou “relações tóxicas”’, como consideramos melhor nomear aqui, pode ser entendida a presença de problemas de autoconhecimento de uma das ou ambas partes, dificuldade de comunicação, problemas psicológicos e, inclusive, de mulheres que estão sofrendo violência doméstica e se isolam da sua rede de apoio. E, como sempre e sem sombra de dúvida, podemos citar como a causa o patriarcado. Visto que a rivalidade feminina pode estar presente na dinâmica de abuso em amizades entre mulheres.

Apesar da dificuldade de se diferenciar a rivalidade feminina de abuso, normalmente, quando é estudado um caso de relação tóxica, identifica-se que a mulher reproduz abusos que sofreu durante a vida. Dessa forma, não é se estranho pensar que mulheres podem voltar tal reprodução a outras. Além de ser estarmos em uma sociedade hierarquizada por gênero, que dificulta que mulheres se voltem contra homens, entendemos a rivalidade feminina também como fator. Afinal, a rivalidade feminina é consequência do patriarcado, E, bem, o patriarcado é mais uma forma de abuso contra as mulheres.

Alguns exemplos que você pode identificar nas relações são: a pessoa tem ciúmes que você tenha outras amizades, ficar com medo de falar não por achar que vá ter alguma consequência: a pessoa ficar com raiva, ou em alguns casos, pode chegar a agressão, não ficar a vontade de conversar sobre qualquer assunto pois, se não for da mesma opinião, a pessoa briga, jogar na cara se já te ajudou de alguma forma. Nenhuma relação é perfeita, pessoas têm defeitos, traumas, etc., mas devemos ficar atentas aos nossos sentimentos quando estamos com a pessoa é importante, por ex: vergonha, medo, confusão mental, culpa.

Contudo, a dificuldade que nós mulheres temos de perceber os sentimentos ruins dentro de relação tóxica se dá, por exemplo, por já sermos tomadas pelo sentimento de culpa durante toda a vida. Ou seja, tendemos acreditar que o erro é sempre nosso já que é comum, devido nossa socialização, nos sentirmos culpadas por aquilo que dá errado. Outra questão é nossa tendência ao “carinho” e “cuidado” como papel nítido atribuído a nós, que faz com que tendemos a marternar nossas próprias amizades, sendo então nocivamente compreensivas com o comportamento que nos incomoda e mina.

Do outro lado, somos adestradas em nossa socialização a esperar o cuidado do outro sobre nossas vidas. Como “cinderelas complexadas”, costumamos buscar o cuidado de um homem, do “príncipe”, por mais que saibamos que temos a plena capacidade de independência, como bem tratado pela autora Colette Dowling no livro “Complexo de Cinderela”. Ainda assim, reconhecemos as diversas decepções em relacionamentos com homens (não somente amorosas) e é, sim, possível transportar a lógica dessa dependência para um amiga que se mostre mais independente, firme, que possui maior desconstrução desses sentimentos tão profundamente cravados em nós da socialização feminina. E assim reproduzimos abuso? É possível que sim! Demonstrando ciúmes com outras relações que essa amiga construa. Esperar que ela faça tudo pela gente, que nos materne e se sinta culpada quando não o faz, entre mil possibilidades particulares que possam acontecer em performance tóxica.

E a culpa que carregamos a vida toda com a gente? Em um contexto de desequilíbrio psicológico e também de rivalização, geralmente tendemos a jogar a culpa na outra!

Mas só amizade feminina é tóxica?

Nessa construção social da rivalização entre mulheres, que é desenvolvida a crença popular de que amizades femininas sempre tendem à competição e falsidade. Mas, ao pararmos para analisar amizades masculinas, a toxicidade também, e sem surpresa alguma, pode ser encontrada. Pensa na seguinte dinâmica: a constante “talaricagem” entre amigos, não costumando respeitar o término do outro e tendo fetiche por ex de amigo. Além de falta de suporte emocional ser muito comum — existe também uma socialização que afasta os homens da expressão de sentimentos? Sim, não a descartamos, mas também é a socialização feminina que as levam à rivalidade e não um simples gene ligado ao sexo que já a fazem competir.

A rivalidade feminina e a amizade abusiva entre mulheres representam então uma clara consequência do machismo estrutural, da misoginia internalizada, como analisamos. Entretanto, ressaltamos novamente que o presente texto é uma reflexão nossa e que convidamos outras mulheres feministas a construí-la com a gente. É um debate em ascensão e que só nós, mulheres, temos o poder analisar e compreender as questões que cercam nossas vivências.

Texto por: Inaiá e Marina

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Conspirando contra o patriarcado até que o feminismo não seja mais necessário. linktr.ee/melspiracy